Acabei de ler, emocionado e triste, matéria que saiu na edição de hoje da Folha de S. Paulo. O enviado especial Lucas Reis denuncia a maldade praticada contra moradores de Nova Olinda do Norte, no vizinho Amazonas. Essas pessoas perderam a visão após serem atendidas num mutirão contra a catarata, em 2011, e nunca foram indenizadas.

Nova Olinda entrou para o meu imaginário através do meu pai, que esteve na base da Petrobrás, logo em seguida ao grande fato: em 13 de maio de 1955, pela primeira vez jorrou petróleo na Amazônia. Ainda criança, vi as fotos do meu pai em instalações que mais pareciam cenografia de filmes de Hollywood.

Papai era deputado estadual pelo PTB do Pará, eleito por Santarém e o Baixo-Amazonas, em início de mandato. Acompanhou, a convite, a comitiva do governador amazonense, Plínio Coelho, também do PTB (igualmente o partido do presidente Getúlio Vargas). Aquele parecia ser o primeiro capítulo da redenção da região depois do fim da exploração da borracha.

A Amazônia, como detentora da maior bacia sedimentar do planeta, estava “vocacionada”, por sua geologia, para acumular hidrocarbonetos. Nova Olinda era a prova dos noves. Daí o entusiasmo de todos, incluindo meu pai, que o transmitiu à família. Todos queriam ver o óleo jorrar e cair sobre os mais afoitos, que tratavam de trazer sua amostra do ouro negro, inclusive na roupa.

Nos dois anos seguintes, cinco novas perfurações foram feitas em torno do poço pioneiro. O petróleo voltou a subir pelas sondas, mas os poços não foram desenvolvidos porque um geólogo americano, Walter Link, contratado pela Petrobrás, garantiu que o volume contido não era comercial. Não compensaria o investimento. E com isso os poços foram lacrados e nunca mais a afirmativa do terrível Mr. Link foi testada em campo.

O episódio ficou como mais um capítulo da teoria conspirativa contra a Amazônia. No caso, colocada em prática por um emissário dos Rockefeller para sabotar a busca de petróleo pela Petrobrás. Anos depois do meu pai, fui a Nova Olinda, que fica a 150 quilômetros de Manaus. Fiquei emocionado por estar lá e triste pelo abandono em que a deixaram depois de tanto otimismo.

Abandono atestado pela reportagem da Folha de hoje. Por isso reproduzo o texto a seguir. Ele que devia ser lido por todos. É exemplo forte do escárnio pela gente do interior.

“Se eu saio de casa sozinho, não sei se voltarei vivo”, diz ao repórter um dos 18 pacientes que sofreram as sequelas.

Seu Antônio, 73, mora perto do rio Madeira, mas não come mais peixe. Dona Senhorinha, 64, precisa se escorar em varais para chegar ao quintal. O carpinteiro Seu Raimundo, 95, aposentou-se há três anos e foi obrigado viver trancado em casa.

A história de 18 idosos da pequena Nova Olinda do Norte (a 135 km de Manaus) mudou radicalmente em abril de 2011, quando um mutirão de cirurgias de catarata do governo do Amazonas terminou em cegueira permanente.

Quase quatro anos depois, os idosos tentam sobreviver com a ajuda de parentes e amigos em uma cidade de 34 mil habitantes, acessível apenas pelo rio, com pouca infraestrutura e nenhum respaldo do poder público.

À espera de justiça, ao menos 5 dos 18 idosos já morreram desde então, um deles após complicações em decorrência da cegueira: após um tombo, precisou amputar uma perna e definhou.

“A nossa vida acabou. Não conseguimos fazer mais nada direito. O que eu posso fazer agora? Só morrer”, diz o carpinteiro Raimundo Barros Neto, 95.

MUTIRÃO

Em março de 2011, o mutirão do governo do Amazonas desembarcou em Nova Olinda do Norte para realizar 36 cirurgias de catarata. Horas depois, metade dos operados ficou com os olhos vermelhos, com dores lancinantes, calor, secreções e, finalmente, visão turva e cegueira.

Dias depois, os idosos foram levados a um hospital de Manaus, mas o quadro era irreversível.

“Eu enxergava e trabalhava como mecânico. Fiquei cego de um olho, e agora estou com problema na outra vista também. Entrei em depressão, isso foi o fim da minha vida”, conta Edmilson Freitas, 71, ao lado da oficina em seu quintal, abandonada.

Depois de quase duas semanas internados e recebendo colírios, contam os idosos, foram levados de volta a Nova Olinda, mas nunca mais receberam qualquer explicação ou satisfação sobre o caso. “Diziam que a gente iria voltar a enxergar em um mês”, afirma Freitas, que até hoje sente dores no olho.

“Meu olho estava cheio de bactérias quando procurei outro médico. Ele disse que o olho parecia um algodão molhado”, diz Antônia Reis, 70.

Naquele momento, todos eles começaram a descobrir o que era viver no escuro.

“Eu não como mais peixe por causa do espinho. Era o que eu mais gostava de comer”, conta Antônio Aureliano da Silva, 73. “E não saio mais sozinho de casa.”

Os idosos sofrem com tombos constantes e ferimentos nos pés, não conseguem se alimentar sozinhos e muito menos andar pela cidade sem apoio de alguém. “Se eu saio de casa sozinho, não sei se voltarei vivo”, diz Francisco Rolim, 81, que também foi obrigado a parar de trabalhar, a exemplo de Railde Lima, 65.

Jandira Lemos, 79, que já tinha problemas em um olho, ficou totalmente cega. À noite, reclama de dores.

Quase nenhum deles consegue distinguir um rosto. “Eu vejo apenas vultos, e só consigo reconhecer meus filhos por causa da voz”, conta Senhorinha da Silva, 64.

Alguns procuraram advogados e ensaiaram uma ação coletiva de indenização, mas o processo não foi adiante. “Voltar a enxergar, não vamos. Nossa esperança é que seja feita justiça”, diz Freitas.

Share with

Facebook
Twitter
WhatsApp
Telegram
0 0 votos
Article Rating
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
ABOUT AUTHOR
Lúcio Flávio Pinto

He has been a professional journalist since 1966. He has worked in the newsrooms of some of the main publications in the Brazilian press.

RECENT POSTS

Copyright © 2024 Universo Amazônia. All rights reserved. Developer With by AS Tech 

error: Copyright ©2014-2024. Lúcio Flavio Pinto. All rights reserved.