O governo se curvou ao que era evidente e voltou atrás, ontem, na decisão que tomara apenas quatro dias antes, apesar da relevância e grandeza do assunto. O Ministério de Minas e Energia revogou sua própria portaria, que definia as diretrizes para a realização do leilão da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, projetada para 8 mil megawatts. A concorrência fora marcada para 15 de dezembro.

O ministério deu sua justificativa: a revogação foi necessária para adequar os estudos antropológicos, relativos às populações indígenas, apesar de já estar concluído o Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica e o EIA/Rima da usina.

Quando o governo anunciou, no final da semana passada, que ia fazer a licitação dentro de apenas dois meses, o ceticismo foi geral. Para a obra ser iniciada é necessário obter o licenciamento ambiental, já em si complexo, e ainda mais complicado porque no vale do Tapajós, entre o Pará e o Mato Grosso, o governo pretende utilizar pela primeira vez o conceito usina-plataforma. Essa nova abordagem dispensaria a construção de uma vila residencial às proximidades do barramento do rio, reduzindo o impacto ecológico e os danos sociais.

À inovação tecnológica, até hoje uma incógnita para quem a acompanha a partir de fora, se agrega outro fator: a resistência até agora manifestada pelos índios, liderados pelos Munduruku.

O presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello, disse ao site Canal Energia que o licenciamento “apresentará muitas condicionantes ambientais, o que deverá elevar o custo do projeto”. Mas elogiou a usina de São Luiz, para ele melhor do que a de Belo Monte, no Xingu, porque irá operar com queda d’água e não a fio d’água, com pouco reservatório. Assim, a potência firme será maior do que em Belo Monte, onde a proporção é de 40% em relação à capacidade nominal de geração de energia. No verão, ela perde potência.

O pedido de licenciamento prévio da hidrelétrica do Tapajós foi protocolado no Ibama no final de julho. Para que a licitação pudesse ser feita em 15 de dezembro, o licenciamento ambiental teria que ser aprovado até 15 de novembro, um mês antes de sair o edital da concorrência pública para a usina. A mesma solicitação para Belo Monte a apresentada em março de 2009. O documento foi expedido pelo Ibama quase um ano depois, em fevereiro de 2010.

Por que tanta pressa no caso de Tapajós? Talvez fosse uma tentativa de criar um fato consumado na eventualidade de Marina Silva ser eleita presidente da república. Como ministra do meio ambiente de Lula, Marina foi contrária não apenas aos projetos hidrelétricos, mas, em especial, contra sua tramitação acelerada pela instância ambiental do governo. Como presidente, ela poderia vir a mudar completamente o encaminhamento da hidrelétrica de São Luiz.

Se foi esse objetivo, seus patrocinadores tiveram que se render à evidência de que o licenciamento não sairia em tempo. E, se saísse, o preço a pagar por essa tramitação em marcha batida podia vir a ser muito alto, expondo o projeto a mais críticas do que as já expostas. Daí o recuo. O desfecho provisório é o melhor para todos. O projeto tem magnitude que recomenda mais parcimônia no uso do tempo – e, também, do poder de criar fatos consumados à custa da razão.

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Lúcio Flávio Pinto

He has been a professional journalist since 1966. He has worked in the newsrooms of some of the main publications in the Brazilian press.

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