Crise nas hidrelétricas da Amazônia

As grandes hidrelétricas construídas diretamente pelo governo na Amazônia, por ele financiadas ou das quais é acionista estão sofrendo o que os economistas costumam chamar de “choque de mercado”. Executadas segundo cronogramas físicos e financeiros elásticos, para dizer o mínimo, elas têm seu orçamento alterado, sempre para mais, e os prazos, inicialmente previstos, prorrogados – invariavelmente para mais longe.

O problema é que, com as agências reguladoras em ação e as regras do mercado de capitais, por onde essas companhias transitam à cata de dinheiro, essa negligência, digamos assim, ou permissividade oficial começa a cobrar seu preço. E cobra atirando para todos os lados, com balas perdidas e, também, o chamado fogo amigo.

Normas rigorosas de acompanhamento da implantação dessas mega-usinas e do início da sua operação, que precisa ser espaçada para poder se ajustar às condições de uso da água em escala gigantesca. Os projetos começam a emitir sinais de alerta e mesmo de problema.

A Folha de S. Paulo de hoje anuncia que as hidrelétricas de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, e de Belo Monte, no Xingu, no Pará, podem experimentar a mesma crise enfrentada pela usina de Santo Antônio, vizinha de Jirau, se o governo não alterar as regras de funcionamento de turbinas.

Explica o jornal que pelas normas vigentes, as usinas são obrigadas a cumprir uma meta de disponibilidade das suas máquinas. Trata-se do tempo, em um mês, em que essa taxa é medida pelo tempo que elas demandam para entrar em operação, a partir do momento em que são instaladas na casa de força, sob o comando do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), órgão do governo federal.

Se no tempo estabelecido a turbina não atinge sua capacidade nominal plena, a concessionária de energia recebe uma multa, que é de alto valor. O problema, segundo representantes das empresas declararam à Folha, é que usinas como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, por não disporem de grandes volumes de água estocadas em seus reservatórios e funcionarem praticamente pelo declive natural do rio, só conseguirão atingir essas taxas quando todas as suas turbinas estiverem operando.

Em Jirau apenas 13 das suas 50 turbinas estão funcionando normalmente. Santo Antônio tem 32, de 50, com 91% de disponibilidade. “Atingir essa meta é ficção”, declarou o presidente da Santo Antônio Energia, Eduardo de Melo Pinto.

A questão é que a potência nominal das usinas não é atingida de imediato. Elas necessitam de um período maior, de dois ou três meses, para alcançar sua meta, que só acontecerá quando todas estiverem em linha. Até lá, a geração estará abaixo de um valor próximo de 100%. O governo, porém, cobra essa meta a partir do funcionamento da primeira turbina, anos antes da conclusão do projeto.

Em Belo Monte, as máquinas terão de ficar 100% disponíveis na casa de força principal, onde estarão instaladas 20 das maiores turbinas do mundo, com potência superior às de Tucuruí, e 94,46% em relação às de menor potência, as turbinas bulbo no reservatório do Pimental, rio Xingu acima.

A Norte Energia, responsável pela usina, disse ao jornal que cumprirá a meta, mas que “se adequará às regras de mercado” em casos de atrasos ou paradas não planejadas.

A punição às usinas que não cumprem as metas é aplicada sobre o tempo em que as turbinas ficarem indisponíveis. O valor das multas segue o preço da energia no mercado. “Por causa do uso maciço de usinas térmicas neste ano, esse preço paira próximo ao teto (R$ 823 o MWh), o que torna a conta bilionária – a empresa responsável pela usina de Santo Antônio, por exemplo, diz que vai perder cerca de R$ 2,3 bilhões”, informa a Folha.

A Energia Sustentável do Brasil, responsável por Jirau, alega ser impossível cumprir a meta e aguarda pela análise do caso de Santo Antônio pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para decidir o que fazer. Os gastos usina estão tornando o projeto “desinteressante para o acionista, que já está no limite da exaustão”. A Santo Antônio teve que fazer três chamadas para aumentar seu capital e assim poder cumprir suas obrigações. Mas a terceira chamada ainda não foi atendida.
A Folha prevê que em Belo Monte, onde as turbinas ainda estão sendo instaladas, “as regras já poderão ter sido alteradas quando a operação começar. Se isso não ocorrer, especialistas preveem os mesmos problemas de Santo Antônio e Jirau”.
O problema fica mais complicado porque entre os acionistas das três paquidérmicas usinas de energia estão bancos oficiais, empresas estatais e fundos de pensão federais. O dinheiro de quem precisa de remuneração adequada para cumprir suas obrigações legais começa a ficar ameaçado. Ou pelo menos a garantia da volta se torna incerta e não sabida.

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Lúcio Flávio Pinto

He has been a professional journalist since 1966. He has worked in the newsrooms of some of the main publications in the Brazilian press.

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