O governo do Estado já poderá cobrar da Alunorte, a maior produtora de alumina do mundo fora da China, pela transferência da energia que ela consome. A desembargadora Filomena Buarque revogou a decisão do juiz da 6ª vara de Belém, que, em tutela antecipada, suspendera a exigibilidade do crédito tributário. Ele ainda mandou expedir certidão positiva com efeito de negativa de tributos estaduais e impedir o Estado de apreender mercadorias da Alunorte em razão do vencimento dos autos de infração. A decisão foi publicada no Diário da Justiça de ontem.
A Alunorte recorreu para não ser obrigada a recolher o ICMS incidente sobre a Tarifa de Utilização do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica, o TUST. Mas o Estado alegou no seu recurso que a energia elétrica é mercadoria e a tarifa se destina “a refletir o uso da rede de transmissão pelo consumidor através do impacto no fluxo de potência”.
Além disso, o consumo da energia elétrica “pressupõe o necessário transporte até o consumidor, cujo custo é refletido pela TUST, motivo pelo qual está inserida no valor final a ser pago pelo consumidor e, consequentemente, integra a base de cálculo do ICMS, nos termos da legislação vigente”.
O agravo da procuradoria estadual diz que o regulamento do ICMS do Pará “atribui ao consumidor de energia elétrica conectado à rede básica, a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pela conexão e uso dos sistemas de transmissão de energia elétrica por ocasião da entrada no seu estabelecimento”.
Aponta o que considera ser um “desacerto da Jurisprudência do STJ acerca do tema, na medida em que parte de pressupostos equivocados, quais sejam, de que a transmissão de energia elétrica seria transporte e, ainda, de que a transmissão seria transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte”. Sustenta, pelo contrário, que a empresa utiliza energia elétrica no processo de industrialização e/ou comercialização de outros produtos.
Por esse motivo não seria beneficiada pelo dispositivo constitucional segundo o qual a industrialização de energia elétrica é imune à incidência do ICMS. Assim, seria impossível suspender a exigibilidade do crédito tributário, como fez a Alunorte, pelo oferecimento de carta de fiança bancária, enquanto recorria à justiça para se livrar do imposto.
Na sua análise do pedido da Procuradoria Geral do Estado, a desembargadora Filomena Buarque observa que a transmissão de grandes quantidades de energia elétrica por longas distâncias é realizada através de uma rede de linhas de transmissão e subestações, custeada pela cobrança da TUST.
Recentemente, com fundamento em um convênio de ICMS de 2004, os Estados-membros, sob o argumento de que a energia elétrica é uma mercadoria, passaram a cobrar ICMS sobre operações com tal produto. Além de argumentos técnicos, invocaram a própria razão de ser do ICMS, “engenhosamente destinado a mitigar as desigualdades regionais”.
Esse entendimento leva à consequência de que o imposto deve ser igualmente cobrado no destino, “para que se assegure ao Estado importador a percepção integral do produto de sua arrecadação, visto que somente assim o valor da operação estará compreendendo todos os custos incorridos, desde a geração até a entrada da energia elétrica no estabelecimento do consumidor”.
Com essa incidência, “não haveria tratamento desigual ao consumidor, que compra a energia elétrica no próprio Estado, beneficiando-se aqueles que compram no Estado vizinho, acirrando, destarte, a famigerada guerra fiscal”, diz o despacho da magistrada.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o consumo da energia elétrica pressupõe a transmissão, “motivo pelo qual resta inevitável que seu custo faça parte da base de cálculo do ICMS”. Neste contexto, quer se trate de uma atividade de transporte, ao qual se equipara a transmissão da energia, quer se trate da tarifa de transmissão como custo da energia transportada, estaria legitimada a sua tributação.
“Entendimento em contrário, importaria, em última análise, assegurar aos grandes compradores, que já adquirem a energia por preço bem mais competitivo no mercado, tratamento fiscal privilegiado que o legislador não conferiu aos consumidores residenciais”, reconhece a desembargadora. Ela decidiu dar o efeito suspensivo requerido pelo Estado, autorizando-o provisoriamente a cobrar o imposto até a decisão de mérito.
A multinacional norueguesa Norsk Hydro é dona tanto da Alunorte quanto da Albrás, que utiliza esse insumo para chegar ao metal. A Albrás, 8ª maior fábrica de alumínio primário do mundo, é também a maior consumidora individual de energia do país, com mais de 1% de toda demanda nacional. Se a medida for mantida, ambas farão um recolhimento significativo de recursos para os cofres estaduais.